Era baixinho e feioso, mas tinha um nome comprido e pomposo: João Baptista Ferreira de Souza Coutinho. Nasceu no final do século XVIII em Catas Altas, um dos mais antigos e, então, prósperos arraiais das Minas Gerais.
Naquela época, a população local vivia da garimpagem do ouro, farto nos córregos das partes mais elevadas da Serra da Caraça. Os grãos do metal se agarravam nas raízes das moitas do capim ribeirinho. Por isso, os mineradores se concentravam nas catas, situadas no alto da serra. Daí o nome da cidade que só foi emancipada em 1995: Catas Altas.
Mas o ouro das catas acabou. A maior parte das famílias arrumou as trouxas e deixou o arraial, em busca do metal que sobrava em outras regiões. João, que era sacristão da Matriz de Nossa Senhora da Conceição, também partiu. Até a rica decoração da igreja, com obras de mestres Ataíde e Aleijadinho, entre outros, foi abandonada. E assim permanece até hoje, inacabada. Foi tombada pelo Patrimônio Histórico e serve como laboratório de arte sacra, que pode ser estudada em diversos estágios, desde o entalhe da madeira, passando pela base branca até a policromia e o douramento. Do jeito que estava, em meados do século XIX.
João Baptista, que ouviu muitas preces e promessas em agradecimento pelos achados preciosos, acabou favorecido pelo destino. E pela esperteza também. Casou-se com a filha de um capitão-mor, que viria a se casar com a irmã do sacristão. João tornou-se cunhado do próprio sogro e enviuvou cedo. Pouco tempo depois da morte da filha, o capitão-mor também se foi. João deu lá o seu jeitinho cartorial e tornou-se herdeiro único das propriedades do sogro-cunhado, entre elas as minas de Gongo Soco. E para a sua grande sorte, as jazidas, até então adormecidas, começaram a produzir pepitas como nunca. O baixinho ficou milionário!
Um milionário sem limites
Numa época em que não havia rádio nem TV, muito menos internet, mídias sociais e influencers, como é que um homem excessivamente vaidoso e rico conseguiria chamar a atenção dos figurões do Império?
Além de esbanjador, João era ousado e criativo. Enfiou a mão no bolso e mandou construir verdadeiros palacetes em Caeté, Ouro Preto, Sabará, Santa Luzia, Brumado e na sua Gongo Soco. Viajantes portugueses rotulavam essas residências como mais luxuosas até do que as melhores que havia no Porto e em Lisboa.
João criou a sua própria mídia, reunindo em torno da sua badalada figura um grupo de quarenta convivas, que recebia costumeiramente em lautos banquetes. Com o suporte de vendedores europeus que circulavam nas fabulosas terras das Gerais, arrematou baixelas de ouro e de prata, porcelanas e cristais finíssimos, toalhas e guardanapos de linho, bordados, peças de arte, mobílias requintadas, cortinas luxuosas. Haja artigos e adjetivos! Os comentários sobre a sua opulência varriam as províncias do Sudeste e não tardaram a chegar ao conhecimento da Corte.
Frente a frente com o Imperador
O baixinho já havia conseguido quase tudo, porém faltava o principal: queria ser barão! Com direito a brasão de armas e uma nobre genealogia.
Se já havia impressionado, agora, pretendia chocar, dar passos maiores que a própria perna. Começou com os cavalos, que passaram a usar ferraduras de ouro. De vez em quando, uma se soltava estrategicamente pelo caminho. O povo enlouquecia.
Ao final do banquete, pegava uma taça de cristal e discursava sobre o valor da peça, a sua procedência, a sua raridade. Diante do espanto geral, lascava a taça na parede. Dava gargalhadas. E incentivava os convidados:
– Façam isso também. Vocês vão ver como é gostoso! – era uma quebradeira geral, seguida de pratos, terrinas, jarros, talhas e o que mais houvesse pela frente.
De outra feita, a comida azedou. Mas ninguém reclamou, ora! Todos comeram satisfeitos e se refastelaram, embora tivessem que correr para o banheiro. Mas lá estava a novidade do baixinho: penicos de ouro! Inusitados souvenires, levados como lembrança do inusitado piriri.
Os mimos passaram a ser uma constante. No almoço, almôndegas de ouro, cobertas com molho de carne. Na sobremesa, nozes e avelãs de ouro.
Nem o Imperador resistiu. Quando visitou Minas Gerais, D. Pedro II foi convidado para um almoço com o milionário, que se curvou para a apresentação:
– João Batista Ferreira de Souza Coutinho, majestade…
O grandalhão D. Pedro II esboçou um sorriso. As pernas do baixinho eram muito curtas, deixando-o ainda menor. Parecia um anão de circo. Gracejou:
– É mais comprido o nome do que a pessoa…
O anfitrião não gostou muito. Torceu o nariz. Mas o Imperador prosseguiu:
– Não se zangue. Como o senhor é pequenote, vou oferecer-lhe um título que o fará grandioso: Barão de Catas Altas!
João Baptista ficou tão feliz que presenteou o convidado com uma baixela de ouro, completa.
Pouco tempo depois, o Barão vendeu Gongo Soco para os ingleses e com o dinheiro pagou parte das dívidas. Morreu pobre e esquecido, como nasceu, em 1839.
Arraial foi salvo pelo vinho
O pesquisador Éder Ayres Siqueira está reescrevendo a história do município de Catas Altas. Esmiuça a genealogia das famílias mais antigas da cidade, recompõe a história da Matriz, povoados vizinhos, capelas e irmandades religiosas. Não poderia deixar de investigar também a história do filho mais famoso do antigo arraial, o extravagante Barão.
Sem querer desconstruir o mito, afirma que boa parte dos feitos de João Baptista deve ser atribuída à criatividade do romancista mineiro Agripa Vasconcelos e do escritor maranhense Viriato Correia, que o transformaram num dos expoentes do Brasil Imperial.
Glória ao padre!
Prefere analisar a atitude do cidadão que deixou a terra natal no pior momento de sua história e jamais prestou qualquer tipo de ajuda, apesar de sua decantada riqueza. Com a febre do ouro, ninguém plantava. Todos os comestíveis, até os mais corriqueiros, eram comprados em tropeiros que passavam pelo arraial. Quando as catas secaram, todo mundo foi embora, inclusive João Baptista. Os que ficaram tiveram que enfrentar muitas dificuldades.
Segundo Siqueira, a gratidão histórica da cidade deve ser destinada ao padre português Manoel Mendes Pereira de Vasconcelos, que chegou em 1868. Vendo a situação caótica da maioria da população, pensou em como ajudá-la. Começou pelo trabalho de conscientização sobre os prejuízos das queimadas de terrenos para o plantio, de como aproveitar, principalmente, as sementes de milho e feijão, que eram lançadas à terra sem nenhuma técnica. Não se preocupou em somente salvar as almas de seu rebanho, mas o corpo também.
Outra coisa que ele analisou foi o bom clima do antigo arraial, propício para se cultivar videiras e fabricar vinhos, que até hoje trazem receitas para a cidade. O vinho de jabuticaba também é um dos mais apreciados no País.
PARA SABER MAIS
Gongo Soco, Agripa Vasconcelos, Editora Itatiaia, 1966
Barão de Catas Altas, Viriato Correia