segunda-feira, maio 20, 2024
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Do Alto Minho para o Mundo

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Fotos: Inga Freitas

O Alto Minho, região situada no Norte de Portugal, tem uma ligação muito forte com as tradições ancestrais. Possui uma identidade cultural ativa e transmitida de geração emgeração, por meio dos eventos locais, bienais, colóquios e promoção de concursos para a preservação e reinterpretação dessas histórias. E foi lá que Janice Kunrath entrevistou Acácio Viegas, um dos expoentes da nova geração de artistas plásticos portugueses.

Janice Kunrath – Como você interpreta essa difusão e entendimento da cultura no Norte de Portugal? 
Acácio Viegas – Do meu ponto de vista, e enquanto artista plástico, parece-me existir hoje uma vontade enorme por parte dos artistas, instituições, associações e até algumas empresas privadas em promover a cultura do Alto Minho e os artistas locais, mas também atraindo outros artistas internacionais, criando condições para promover o diálogo entre várias culturas. Acho que este modelo tem funcionado muito bem, pois cria condições para que a cultura do Alto Minho seja preservada, mas também possa evoluir e ser levada para outras partes do mundo. No entanto, sinto que existe uma necessidade urgente de reforço do apoio do estado, quer no apoio às instituições, quer no apoio direto à criação artística.

Em geral, no Alto Minho existem cultura e tradição muito forte ligada à religião e que tem sido alvo de muito investimento por parte das autarquias, contudo hoje podemos ver alguma mudança e notam-se já muitas apostas em promover a arte contemporânea.

Vila Nova de Cerveira é caso pioneiro, pois há décadas que atrai artistas, e vive envolto nessa dinâmica, respira-se arte e cultura na vila. O restante Alto Minho tem ainda um caminho a percorrer nesse sentido, ainda que a melhorar de ano para ano. Noto além disso, que em Cerveira se aposta mais na contemporaneidade, ainda que com inspiração na tradição, mas por exemplo em Viana a arte ainda é muito conservadora e de inspiração
nos motivos tradicionais, como a filigrana, o folclore e a religiosidade….

JK – Ao longo das últimas quatro décadas, as exposições de artes, com a participação de artistas nacionais e internacionais, representaram a seiva fundamental do cosmopolitismo esclarecido levado adiante com orgulho pela realização das Bienais Internacionais de Arte de Cerveira, através de seus organizadores e instituições parceiras, permitindo estarem abertos ao diálogo construtivo com o mundo. Essa transformação cultural, representa manter viva a chama de um fenômeno criado através da arte, por meio do cunho sociológico, pois envolve a participação da comunidade nesse diálogo multicultural e promove turismo de experiência, inovador e envolvente. Você sente que essa abertura cultural para o mundo reflete e reverbera na comunidade regional um maior interesse pelas diversas expressões da arte?
AV – Completamente, a Bienal Internacional de Cerveira, que foi a primeira bienal a ser realizada em Portugal há mais de quatro décadas, teve na sua gênese a necessidade de intercâmbio de ideias e transformação econômica, social e cultural, numa altura em que em Portugal se assistia a uma transição democrática.

A Bienal é ainda hoje é uma referência em Portugal, com notoriedade internacional, e é um exemplo de como uma região e uma comunidade se podem envolver e se desenvolver através da arte. Eu acho que de uma forma geral a comunidade do Alto Minho e os artistas em Portugal tem um carinho especial pela Bienal de Cerveira e pelos seus fundadores.

Na minha percepção o impacto regista-se muito ainda na vila, não tanto na região, pelo menos de forma direta, o Alto Minho em termos culturais apresenta realidades um pouco distintas, é quase como que um enclave artístico no Alto Minho, mas que com os pólos que a Bienal vai fazendo começa a espalhar os seus tentáculos e certamente que vai influenciar cada vez mais a abertura à arte e cultura nos restantes municípios.

JK – Qual a maior conexão com a sua cidade, Viana do Castelo? 
AV – Nasci em Viana, aqui estão a minha história e raízes, tenho uma ligação a Viana que creio nunca terei com outro lugar no mundo, por mais peculiar que seja. Viana é uma cidade incrível, muito completa, tem mar, montanha, rio, tradição, gastronomia, e um ritmo lento que torna um lugar incrível para viver. Ainda assim terei sempre que destacar o mar… É junto ao mar que melhor me consigo conectar comigo e com a natureza envolvente. As minhas melhores memórias de infância, aquelas que me enchem a alma e me faziam sorrir até hoje são os momentos vividos na Praia Norte, entre amigos e brincadeiras, a apanha de algas e marisco, construir pequenas embarcações, correr, mergulhar, nadar e ser feliz como só as crianças conseguem…

JK – Quais os pontos interessantes de Viana do Castelo que gostaria de destacar sobre ações culturais, projetos artísticos, pontos turísticos, eventos e inovações?
AV – Viana é rica em locais turísticos, paisagens deslumbrantes e é sempre difícil destacar, sobretudo para quem cá vive e desfruta da cidade desde sempre… Ainda assim há pontos que merecem destaque e que uma visita a Viana obriga mesmo a conhecer, como o Santuário de Santa Luzia com uma deslumbrante vista, e ao qual se pode chegar através do funicular. O centro histórico também merece visita, pela junção entre o melhor da
arquitetura antiga e contemporânea e o lindíssimo Teatro Sá de Miranda.
A praia do Cabedelo é a minha praia de eleição, pela sua beleza selvagem e atrai a Viana amantes da prática de surf, windsurf e kitesuf. Viana é ainda romaria, e as festas em honra da Senhora d’ Agonia são maior romaria de Portugal, arrastando multidões até à cidade, oriundas do país e do mundo, com os emigrantes a regressarem nessa altura para honrar a padroeira dos pescadores. Durante as festas, destaco os tapetes de sal feitos pela população ribeirinha e que a Santa percorre antes da procissão ao Mar. Culturalmente há múltiplos eventos durante o ano, e que são cada vez mais, mas merecem realce o festival de Jazz na Praça da Erva que traz músicos de renome internacional a Viana e ainda o Festival Internacional de Folclore do Alto Minho. Gostaria ainda de fazer referência ao Instituto Politécnico de Viana do Castelo, onde estudei Design e que tem vindo a criar projetos inovadores com forte ligação às raízes culturais e tradições locais.

JK – Para você, o que há de mais especial e único nessa cidade – aquilo que acredita que nenhum outro lugar do mundo tenha igual?
AV – As paisagens deslumbrantes proporcionadas pela combinação de mar, rio e montanha, que associadas às diferentes cores do céu que são possíveis observar durante as várias estações do ano permitem, mesmo a quem vive diariamente na cidade poder ser surpreendido e estar na presença de um lugar sempre novo. Há algo nos céus de Viana que é único e indescritível, uma luz de beleza rara e um pôr-do-sol inesquecível para quem tem o privilégio de o ver. A minha mulher chama aos céus de Viana as aquarelas de Deus!

JK – Para transmitir ao leitor da Revista Destinos Serra & Mar, melhor sua essência, sua vasta experiência e crescimento pessoal e profissional, em visita a seu website (https://www.acacioviegas.com/sobre-mim), duas frases mencionadas abaixo, são bastante representativas e despertam atenção. Comente-as.
“Procuro sintetizar o espírito contemporâneo de equilíbrio e harmonia entre produção manual e tecnologia com um discurso abstrato, assim os temas o exijam, e proponho um despertar da consciência, mudança de significado ou de perspectiva sobre a nossa existência e relação com o mundo.”

AV – Não posso negar e excluir a minha formação em design como o grande influenciador do meu trabalho artístico. A Bauhaus foi naturalmente para mim a grande influência, que começou de forma intuitiva. Após 15 anos de trabalho como designer tive a curiosidade e necessidade em perceber profundamente a nossa relação com o mundo e encontro na arte uma possibilidade perfeita de expressão e autoconhecimento. Se a influência da produção industrial está bem presente no meu trabalho, existe também por outro lado a necessidade de libertação do que é mecânico e pragmático para dar lugar ao relativo e abstrato, através das mãos.

Procuro através do equilíbrio estético criar condições para que o observador possa mudar a sua perspectiva e desmaterializar a sua ligação com o mundo libertando-se das referências visuais com que se identifica e despertar a consciência para uma nova ligação e dimensão imaterial.
“Encontro, então, na arte um meio para comunicar, com a alma ou com as almas, no devaneio de materializar uma realidade mística onde abandono a pretensão de controlar o incontrolável, e de permitir o fluxo da evolução, sem juízos de valor, num mundo cada vez mais arquitetado e estanque à condição de matéria, onde é necessário fazer sentir e não descrever o sentir.”

Parece-me óbvio que existem forças que regem todas as coisas, que garantem a evolução. Querer contrariar essas forças é criar resistência ao fluxo natural. A percepção destas forças, parece-me ser algo impossível de traduzir por palavras, é uma espécie de intuição, é como se fosse uma informação que está sempre presente e disponível, uma espécie de almas invisíveis com as quais comunicamos, que sentimos e não racionalizamos, chamar a atenção para esta presença sublime e despertar essa sensibilidade é contribuir para uma maior percepção e harmonia pessoal.

JK – Qual o processo de concepção e materiais que costuma utilizar para criar? 
AV – As minhas obras obedecem normalmente a um processo semelhante ao processo de design, onde existe uma fase de estudo, reflexão e investigação, uma de criação de ideias e de conceitos, uma fase estudo/ projeto e prototipagem e outra de produção ou implementação. Mas nem sempre é assim, por vezes as fases confundem-se e a materialização carrega em si um novo conceito que conduz a uma nova investigação e reflexão. Eu gosto de utilizar materiais e técnicas de produção industriais e digitais contemporâneas, desde o corte mecânico de matérias à impressão digital e 3D. Técnicas mais tradicionais como a pintura, servem muitas vezes para ter contacto com o corpo e os seus movimentos.

JK – Qual foi impacto da pandemia em sua vida e na comunidade onde reside?
AV – Eu acho que o verdadeiro impacto ainda está para vir, mas é óbvio que influenciou negativamente a atividade artística e cultural em geral e a minha em particular, as exposições foram poucas, as visitas caíram bastante e as vendas foram praticamente nenhumas. No entanto este tempo permitiu muitas reflexões e acabou influenciar a direção do meu trabalho, que espero poder mostrar em breve.

Mas temos bons exemplos de resiliência no Alto Minho, Instituições que não baixaram os braços, adaptaram-se e inovaram para que a arte pudesse continuar a servir o seu público, destaco a Bienal de Cerveira e a Zet Gallery, uma iniciativa privada, estas foram exemplares e investiram muito para que a arte e os artistas pudessem prosperar.

JK – Considera importante o autoconhecimento e a reconexão com sua própria história, para a valorização das suas trajetórias e conquistas?
AV – Considero que autoconhecimento é muito importante, ele é o preditor de todas as trajetórias e conquistas e a arte é um facilitador que me permite entrar em contacto com o que verdadeiramente sou.

JK – O que gostaria de realizar que ainda não tenha feito?
AV – Eu gosto de ser surpreendido por convites e fazer o que me parece ser melhor em cada momento, mas uma obra no espaço público está na minha lista de desejos no plano artístico, que conto ainda realizar.

JK – Como a tecnologia influenciou na produção e divulgação do seu trabalho?
AV – Eu uso as tecnologias como ferramenta de trabalho desde 1996, quando deixei de desenhar a tinta da china no estirador, as minhas obras são maioritariamente feitas com recurso à tecnologia, a minha primeira obra foi vendida online, a comunicação passa toda pelo digital, por isso não só posso dizer que influenciou, mas que fez nascer o meu
trabalho.

JK – Qual a mensagem que gostaria de deixar aos leitores do site Destinos Serra & Mar, relativamente ao momento de transição que estamos vivendo?
AV – O equilíbrio consegue-se reequilibrando, por isso é importante a tolerância, a resiliência e o contributo de cada um para que este momento difícil possa dar origem rapidamente a momentos de maior harmonia.

JK – Suas considerações finais…
AV
– Louvar e agradecer o trabalho da Destinos Serra & Mar na divulgação e conhecimento de destinos naturais, culturais, especialmente à Janice kunrath pelo carinho e atenção e pelo convite, bem-haja!

 Acácio Viegas é Mestre em Design Industrial e exerce a profissão de designer em diversas áreas, fator que veio a influenciar o seu trabalho como artista. Pretende com a sua obra criar um discurso plástico contemporâneo, baseado em síntese e industrialização, recorrendo a uma linguagem geométrica por vezes balançada por simbologias ou por movimentos orgânicos.
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Os seus primeiros ensaios artísticos foram mostrados ao grande público, pela primeira vez, em 2015 em Guimarães e em seguida em Lisboa, Viana do Castelo, Ponte de Lima, Braga, Arcos de Valdevez, Arga de Cima, Póvoa de Varzim, Matosinhos e Monção. Destacam-se os seguintes locais:
Museu Alberto Sampaio em Guimarães, Museu Pio XII em Braga, Arte na Leira em Caminha, Casa da Arquitetura – Centro Português de Arquitectura em Matosinhos, Galeria Cine-Teatro João Verde
em Monção, e Bienal de Internacional de Cerveira.

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