MARCELO CUNHA
Através de um mergulho, ocorrido em 1991, conheci não apenas os limites da tetraplegia, mas também as possibilidades para seguir em frente. Na época, aos 21 anos de idade, não imaginava que o desenho, o que até então executava habilmente com as mãos, prosseguiria por um caminho diferenciado e o mais desafiador ‘mergulho’, em 1994: a pintura com a boca.
A nova alternativa de produzir arte, além de se tornar uma profissão, me permitiu retomar a realização de alguns sonhos. Em cada conquista alcancei um nível de liberdade que não imaginava que fosse possível, produzindo arte e eternizando momentos. Realizei a minha primeira exposição em 1997, iniciando a caminhada para conquistar o meu espaço.
Nessa trajetória, participei de importantes movimentos que sempre contavam com o comprometimento de pessoas que desenvolviam variadas vertentes artísticas. E o objetivo principal era a inclusão da pessoa com deficiência. Viajamos por diversos estados brasileiros, participando de exposições coletivas e individuais. Assim como os amigos batalhadores por dias melhores, todos com alguma deficiência, compartilhava minha habilidade no intuito de que fosse vista como possibilidade real de construir um caminho de inclusão.
TUDO MUDOU – Só pude consolidar essa experiência através da arte, ao ingressar, em 2004, como bolsista na APBP (Associação dos Pintores com a Boca e os Pés). Além da primeira exposição internacional, realizada no Chile (2001), tive minhas obras expostas em Buenos Aires (2009). Com a promoção para Membro Associado, ocorrida em 2011, meu trabalho foi exposto na Áustria (2013) e Espanha (2017). Além de transpor fronteiras, passei a usufruir de maiores possiblidades de ampliar o domínio artístico e o necessário crescimento.
Essa evolução pode ser percebida nas 29 obras expostas no Espaço Cultural da ALERJ (Assembleia Legislativa Do Rio de Janeiro), trazendo um tema que sintetiza minha caminhada. ‘Homens do Campo’ veio com a produção dos primeiros canaviais e outras colheitas da coleção, iniciada em 1998. Quanto ao “Outros”, se dá pela exploração da variedade de temáticas que, pontualmente, surgiam ao participar das exposições coletivas. Assim como agora, ‘Homens do Campo e “Outros” tem a proposta de promover uma viagem imersa na riqueza dos detalhes, das luzes e contrastes de notável primor artístico de cada quadro.
“RISQUISMO”– Nesse processo de descobertas, o “Risquismo” se tornou minha marca ao permear esta coleção. Estilo impressionista, desenvolvido por mim a partir de 2003, foi aprimorado ao longo da execução de importantes obras. Sua principal característica é a sobreposição de riscos multidirecionais quase imperceptíveis em toda a superfície da tela, o que exige extrema paciência, determinação e resiliência.
Como na arte, tais atributos são essenciais para que hoje, Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, consigamos continuar transpondo os limites. Posso dizer que um dos maiores presentes desse dia de celebrar a inclusão seja, após 23 anos, retornar com minha arte à ALERJ e perceber as intensas mudanças que ocorreram. Quer tenham acontecido pelos mais variados debates, por legitimas manifestações populares ou pela criação de leis, o que importa é poder olhar o futuro com a esperança de vermos uma sociedade regida por atitudes que vivam a equidade de direitos de forma plena.
Essa visão otimista permitiu que me tornasse um artista plástico, escritor, palestrante e graduado em publicidade e propaganda. Como um incorrigível sonhador, busco de todas as formas, comunicar o quanto a fé transformou minha vida. Enfim, a despeito dos limites, creio que estar em contínuo movimento seja ainda o elemento primordial para a construção de uma postura transformadora diante da desafiadora arte de viver.
Marcelo Cunha é artista plástico, membro associado da APBP. Publicou este artigo em 21/09/2023, Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência.
