segunda-feira, maio 20, 2024
Machado Vieira Engenharia
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Nos bastidores de uma colmeia

Em entrevista a Janice Kunrath, o apicultor Joaquim Pífano, de Avis, Portugal, explica a importância das abelhas para o equilíbrio do meio-ambiente. Ele demonstra toda a sua preocupação com as queimadas, na Europa, e o desmatamento, que afetam diretamente a vida dessas incansáveis trabalhadoras. Revela segredos e curiosidades dos bastidores das colmeias.

Janice Kunrath – Entre os animais polinizadores, nenhum é mais eficiente do que as abelhas. Elas se alimentam, exclusivamente, de pólen e néctar.  Visitam uma grande quantidade de flores por dia para suprir suas necessidades individuais, das crias, e no caso das espécies sociais, armazenam alimento para o período de escassez de flores.

Qual a importância das abelhas na polinização e quais são os motivos da escassez do seu alimento, necessitando de complemento artificial, produzido pelos apicultores?

Joaquim Pífano – Sempre olhei para a Natureza como a mais completa aula de economia, talvez até como aquelas economias em risco onde não pode haver falhas, onde o mais ligeiro erro de cálculo pode colapsar uma vida, uma população de organismos ou até a totalidade de um ecossistema.

As plantas têm um manifesto “problema de locomoção”, problema que é bastante sentido na época de “acasalamento/ reprodução”, uma vez que não podem se deslocar ao encontro do parceiro sexual. Para corrigir esta aparente deficiência co-evoluiram de uma forma bastante engenhosa com outros organismos, principalmente os insetos, para o transporte das células sexuais para a polinização. Com o objetivo de atrair os polinizadores, as flores usam cores vivas, nectários que disponibilizam líquidos açucarados e grande quantidade de nutrientes proteicos nos grãos de pólen.

Atraídos para a refeição, os insetos são anatomicamente adaptados à sua função de polinizadores, possuindo o corpo coberto de pelos e outras estruturas onde carregam milhares de células sexuais sob a forma de grãos de pólen. Tendo ainda o comportamento de serem fiéis a determinada espécie vegetal, visitando-a preferencialmente, vão disseminando o pólen entre os vários indivíduos promovendo a polinização cruzada e garantindo a reprodução do coberto vegetal. Por isso se diz que os insetos, sobretudo as abelhas, são os casamenteiros das flores!

Percebemos o sentido da mundana expressão “não há almoços gratuitos”, tal como o funcionamento da economia natural: as plantas não disponibilizam alimentos aos insetos, antes os negociam a troco do transporte dos grãos de pólen, tornando-se assim espécies interdependentes.

Há também os animais que se alimentam das plantas, dos frutos, do mel, há os predadores que se alimentam destes animais, e um dia a decomposição de todos alimentará de novo as plantas num imenso e infindável ciclo de interdependências que torna o fenômeno “vida” no mais intrincado e espetacular equilíbrio que conhecemos.

Infelizmente, nas últimas décadas, com fortes agravações nos últimos anos, o equilíbrio natural tem sido muito afetado pela atividade humana. As alterações climáticas no Sul de Portugal, seja pela falta de chuva, seja pelo proliferar de incêndios cada vez maiores e mais destruidores, têm provocado acentuadas reduções no coberto vegetal, nas pastagens das abelhas, não apenas em área como também em diversidade. A isto, que já é demais, soma-se o aumento selvagem e descontrolado de áreas contínuas de agricultura intensiva, com a concomitante destruição da biodiversidade pelo uso exagerado de herbicidas, insecticidas e demais pesticidas.

A galopante falta de pastos naturais, de fontes de néctar e de pólen nos períodos estratégicos, tem não apenas levado a notórias reduções nas produções apícolas, a graves problemas económicos nas comunidades de apicultores, como inclusivamente a pôr em causa a sobrevivência das abelhas.

Desde meados da década de 1980 que a abelha da espécie Apis mellifera (a mais utilizada pelos apicultores em todo o mundo) está dependente sanitariamente do ser humano. Significa que se os apicultores não tratarem as colónias de abelhas com medicamentos, elas sucumbirão num período de meses. A tal se deve a proliferação de uma moléstia causada por um ácaro, o Varroa destructor.

Com as alterações climáticas, os incêndios, a agricultura intensiva e a concomitante redução do coberto vegetal e pastagens naturais, a espécie Apis mellífera está cada vez mais dependente do ser humano ao nível alimentar. Em muitas regiões de Portugal, da Europa e do Mundo, as abelhas têm de ser alimentadas nos períodos de carência, caso contrário não sobrevivem.

No início desta exposição deu-se relevância à interdependência de muitas espécies, senão de todas, interdependência positiva e resultante de uma evolução conjunta ao longo de milhões de anos que culminou no frágil e dinâmico “equilíbrio natural”, mas as dependências referidas no último parágrafo são insustentáveis, são mesmo inadmissíveis!

JK – Na agricultura, a polinização tem impacto no volume da produção e influencia também na qualidade dos frutos, na quantidade de substância das sementes, no encurtamento do ciclo das culturas e na uniformização da altura das plantas.

Todos esses fatores podem contribuir substancialmente para melhorar a produtividade, a eficiência do uso da terra e ou reduzir as perdas da colheita, aumentando a rentabilidade e a lucratividade do cultivo. Comente, os benefícios e impactos da polinização feita pelas abelhas na agricultura.

JP – Além da importância ambiental das abelhas, na promoção da biodiversidade pela manutenção e fomento do coberto vegetal, podemos e devemos referir também a sua importância económica quer pelo mercado dos produtos da colmeia quer pela produtividade incrementada na agricultura pela polinização.

Pessoalmente gosto de classificar a importância ambiental da apicultura como uma “importância econômica indireta” uma vez que os seus produtos ainda que muito mais importantes, grosso modo, não são facilmente contabilizáveis nem vendáveis. As abelhas, mais do que qualquer outro ser vivo promovem a manutenção e o desenvolvimento do coberto vegetal e em última análise garantem a produção de oxigénio e a remoção de milhões de toneladas de dióxido de carbono atmosférico, o que não tem preço.

Já a “importância econômica direta” que resulta do mercado de mel, pólen, cera, própolis e muitos outros produtos da colmeia, a par dos serviços de polinização fornecidos ao sector agrícola, são também de uma importância crescente a nível global.

Por que razão a prática da apicultura melhora substancialmente as produções agrícolas quer em quantidade, quer em qualidade?

Mais uma vez recorremos á “Economia Natural” para clarificar a importância das abelhas enquanto polinizadores. A polinização, resumida e simplificadamente, resulta no transporte dos grãos de pólen da estrutura masculina de uma flor (os estames) até à estrutura feminina de outra (ou da mesma, mas preferencialmente de outra) flor (o carpelo). Ao “aterrar” no cimo do carpelo, o grão de pólen germina e emite o chamado tubo polínico que cresce pelo interior da estrutura sexual feminina até aos óvulos. Por esse tubo polínico descem dois núcleos celulares (com material genético) originando uma dupla fecundação do óvulo: uma que origina o embrião e futura planta e outra que origina a célula mãe do endosperma, que resulta em reservas nutricionais para a nova planta. Ambas resultam na chamada “semente” – embrião mais reservas alimentares necessárias à germinação da nova planta.

Até aqui a resposta já satisfaria, na medida em que grande parte da alimentação humana é constituída por sementes como os cereais, leguminosas, alguns frutos secos, etc. No entanto, a produção da semente, graças à polinização, origina outro fenômeno bastante curioso: a formação do fruto, simplificadamente é o acumular de açúcares nas paredes do ovário, assim surgem as maçãs, peras, laranjas (…).

A economia natural verifica-se no fato de a planta apenas produzir as sementes na presença de grãos de pólen e gerar os frutos se as sementes existirem! As sementes servem para reproduzir as plantas e os frutos para dispersarem as sementes para longe da planta mãe, para dispersarem a progénie por vastas áreas. Nenhuma planta “investe” no energeticamente “dispendioso” fruto se o mesmo não tiver já formadas as sementes para a respectiva disseminação.

A grande vantagem das abelhas na polinização agrícola reside no facto de “da noite para o dia” numa cultura apenas servida por alguns polinizadores selvagens, o apicultor poder transportar e instalar dezenas ou centenas de colmeias, cada uma carregando dezenas de milhares de insetos. No dia seguinte, o pomar de amendoeiras em flor, o campo de girassol ou a estufa de framboesas vê-se povoado com milhões de abelhas em busca de néctar e pólen, onde a probabilidade de uma única flor, ou se quisermos de um único óvulo ficar sem ser polinizado é praticamente nula!

Não esquecendo, e isto é muito importante: os designados “polinizadores selvagens” são tão importantes como as abelhas, muitas plantas cultivadas tal como imensas outras selvagens apenas são polinizadas por outros insetos que não abelhas, bem como por outros animais que não insectos. Nunca devemos esquecer a noção de biodiversidade e de equilíbrio natural.

JK – Quais cuidados deverão serem levados em conta com a instalação de colmeias, para iniciantes na apicultura familiar, em relação à disposição iluminação, proteção dos ventos e outros fatores?

JP – A instalação de um apiário pode ter diferentes exigências caso se trate de um apicultor profissional com grandes quantidades de colmeias, ou um de um amador com menos de uma dezena, e por isso, mais fáceis de encaixar no espaço exíguo de uma horta ou um jardim. No entanto, as regras básicas de instalação passam sempre por:

1. Procurar um local com a flora apícola adequada em quantidade e diversidade, entendendo-se por flora apícola toda a vegetação rica em néctar e pólen utilizáveis pelas abelhas, variando muito de região para região;

2. Esse local deverá pertencer ao apicultor ou então que este tenha autorização do proprietário para instalar as colmeias;

3. O apiário deverá estar protegido da intempérie, sobretudo dos ventos dominantes e para o efeito servirá perfeitamente uma sebe natural ou construída atrás das colmeias. Muitos apicultores instalam o seu apiário a meia encosta num local de fácil acesso, resolvendo assim o problema. Devem ser evitados os vales por causa do excesso de umidade, sobretudo na estação das chuvas;

4. As colmeias deverão estar próximas de água corrente, água potável, para suprir as necessidades da colônia durante o Verão e este aspecto é também determinante para o sucesso da exploração apícola;

5. Nunca colocar as colmeias nas proximidades de lixeiras, estações de tratamento de águas residuais ou outras fontes de poluição. Evitar igualmente a proximidade de cabos de alta tensão ou antenas de telecomunicações, cuja radiação eletromagnética interfere e confunde bastante a orientação das abelhas;

6. Para as questões de ordenamento, nomeadamente as distâncias a outros apiários, as distâncias a habitações, vias públicas e outros espaços de uso comum, deve ser consultada a legislação nacional, regional ou local para evitar acidentes. Não devemos esquecer que as abelhas possuem um ferrão e em certas circunstâncias podem ser muito agressivas;

Ainda que numa localização legal, isso não livra o apicultor ou o proprietário das colmeias da responsabilidade civil no caso de alguém ser picado, pelo que poderá consultar uma seguradora para se precaver destas ocorrências, mesmo que muito raras.

7. Procurar um local agradável também para o próprio apicultor. Sendo a apicultura uma atividade apaixonante, decerto que irá aí passar muitas horas a lidar com as abelhas…

JK – Existe um número máximo de colmeias por apiário? Por quê?

JP – Sim, este aspecto tem a ver sobretudo com o item 6 da questão anterior, o ordenamento apícola. A existência de um número máximo de colmeias por apiário depende da quantidade/ diversidade de floração de um determinado local ou região e é um número muito difícil de aferir. Para cada espécie de seres vivos existe o que se designa habitualmente por Capacidade de Suporte do Meio, ou seja a quantidade de seres vivos que podem viver numa determinada região sem que esgotem os recursos que lhes são necessários, colocando em risco a sua própria sobrevivência. Em muitas regiões esse número está definido em termos de quantidade de colmeias por apiário e pelas distâncias entre apiários, evitando com isso desnecessárias perdas de produção e até o colocar em causa a sobrevivência das colônias.

É fácil perceber que esse número não é constante, pois com as alterações climáticas tem tendência em diminuir ao longo do tempo.

JK – As abelhas exibem um comportamento social altamente desenvolvido para a coleta, recolha, tratamento do néctar e pólen, higiene, segurança e confecção das colmeias, além de possuírem formas próprias de comunicação por meio das antenas, odores, danças e batida das asas. Comente sobre curiosidades nos comportamentos e orientação espacial, para coleta e troca de informações, entre elas.

JP – Uma colônia de abelhas pode conter muitas dezenas de milhares de indivíduos e uma sociedade tão numerosa para ser funcional tem de ser altamente organizada. Não é possível conceber tais níveis de organização se a comunicação entre os componentes não for suficientemente elaborada e eficaz.

É certo que boa parte dessa comunicação é química, ou seja através de feromonas, mas existe outra componente sem dúvida bem mais espetacular que é a vulgarmente designada por “dança das abelhas”. É através desta dança que as abelhas “conversam” entre si para a troca de informações essenciais como para indicar o local onde se encontra um prado de saborosas flores ricas em néctar, uma fonte de água e até um local aprazível para a morada de uma nova colônia.

Determinadas abelhas, obreiras, saem da colmeia voando pelos campos em busca de fontes de néctar. Quando as encontram recolhem e transportam boa parte desse néctar num órgão chamado de papo. Ao chegarem à colmeia iniciam de imediato uma dança em forma de oito, sempre a circular agitando as asas e o abdômen. Tal aparato acaba por atrair a atenção de outras obreiras, mais ainda pelo fato de ao longo do “show” a abelha “prospectora” vai distribuindo gotas de néctar pelas várias “espectadoras” da dança.

Consta que o número de voltas em forma de oito seja proporcional à distância a que se encontra o prado de flores e que o ângulo formado pelo abdómen da “dançarina” relativamente ao resto do corpo signifique a orientação do referido prado relativamente ao Sol, ficando assim a localização exata da fonte de néctar perfeitamente definida e transmitida pela dança.

JK – E a “fria” e “calculista” Economia Natural, não cabe também neste aspecto aparentemente lúdico da vida das abelhas?

JP – Claro que sim e da forma mais inusitada: enquanto uma abelha prospectora se esmera nas contorções e requebros da sua dança para conquistar mais adeptas, mesmo ali ao lado encontra-se outra e mais outra e outra ainda a fazerem exatamente o mesmo, dançando e oferecendo gotas de néctar de outros prados, de outras flores e fontes de néctar, competindo por mais adeptas.

Ora uma abelha “espectadora”, após assistir a várias danças e provar diferentes gotas de néctar, terá necessariamente de decidir por uma delas, decisão que extrai de uma complicada fórmula fictíca mas que englobe as informações: distância da fonte de néctar e concentração de açúcar por unidade de volume desse mesmo néctar. Ou seja, a opção recairá pelo néctar mais próximo da colmeia e pelo que tiver a maior concentração de açúcares para economizar a preciosa energia dispendida no transporte!

JK – Por que o mel não fermenta, nem azeda?

JP – O substrato natural recolhido pelas abelhas para a produção do mel é o néctar disponibilizado pelas plantas nos nectários florais e nalguns casos extra florais. O néctar por definição é um líquido açucarado produzido pelas plantas. Se as abelhas tentassem armazenar nos favos o néctar recolhido nas flores, este sim fermentaria por excesso de umidade e nunca poderia ser consumido pelas abelhas, visto que o álcool é tóxico para os insetos.

A grande mais-valia das abelhas, além da recolha do néctar, é precisamente o fato de o transformarem em mel mediante a sua desidratação e adição de algumas enzimas digestivas. Durante o processamento do néctar as abelhas provocam como que uma pré-digestão, desdobrando boa parte dos açúcares de 12 carbonos (como a sacarose) em açúcares mais simples de 6 carbonos (como a glicose e a frutose) tornando-o metabolicamente mais acessível.

Por outro lado, e isto é muito importante, ao chegarem à colmeia regurgitam a gota de mel que trazem no papo e suspendem-na na extremidade da língua (uma pequena tromba ou proboscide). Essa gota é depois transferida para a língua de outra abelha, designando-se essa transação pelo curioso nome de “trofalaxia”, onde a exposição da gota de néctar à atmosfera seca da colmeia resulta na sua desidratação ou perda do excesso de umidade, concentrando os açúcares. Em simultâneo, uma pequena multidão de outras abelhas que colaboram no processo batem vigorosamente as asas expulsando o ar úmido do interior da colmeia e substituindo-o por ar seco, acelerando ainda mais a desidratação do néctar.

Quando a percentagem de água do néctar é inferior a 20% e uma vez adicionadas as referidas enzimas, já é considerado mel e está apto a ser armazenado sem riscos de fermentação. Só assim as abelhas garantem a sua sobrevivência nas regiões com Invernos rigorosos.

JK – Como ocorre o processo de produção da cera e confecção do favo?

JP – A cera é um dos principais e mais nobres produtos da colmeia. É aproveitada pelo ser humano desde tempos remotos. Inicialmente era utilizada para a iluminação, através do fabrico de velas para as igrejas e conventos.

Na colmeia é o principal material de construção utilizado pelas abelhas, nomeadamente para a confecção dos favos onde armazenam o mel e o pólen, assim como onde a rainha deposita os ovos e se dá o desenvolvimento das jovens abelhas.

A cera é sintetizada pelas próprias abelhas, grosso modo podemos dizer que é a “transpiração” das abelhas. Quando é necessário construir favos para aumentar a capacidade de armazenamento ou de espaço de postura de ovos para a rainha, um grupo mais ou menos numeroso de obreiras começa por ingerir uma quantidade generosa de mel. Essas obreiras juntam-se em cacho no local de construção e o calor resultante da metabolização do mel que ingeriram, a que se soma a proximidade de tantos corpos, faz com que a temperatura do grupo aumente consideravelmente e a cera comece a brotar das chamadas glândulas cerígenas, localizadas no abdómen de cada inseto.

As abelhas recolhem essa substância muito maleável por causa da temperatura a que se encontra e com recurso às mandíbulas moldam-na de modo a construirem e acrescentarem novos alvéolos e favos de cera, todas em conjunto, e lado a lado.

Durante muito tempo se atribuiu uma inteligência extraordinária a estes insetos, sobretudo pela perfeição geométrica e arquitetônica na construção dos favos de cera – hexágonos perfeitos. Esta ideia reinou até ao dia em que alguém resolveu cozer uma lata de ervilhas sem que abrisse a lata para esse efeito. Com o aumento da temperatura as ervilhas aumentaram também de volume dentro do espaço exíguo da lata de conserva onde estavam confinadas e quando se abriu a lata verificou-se que a grande maioria das ervilhas tinha um formato hexagonal.

A inteligência arquitectônica das abelhas caiu por terra com esta experiência. Na realidade cada abelha, individualmente, tenta construir um alvéolo de forma circular, uma figura geométrica recorrente na natureza, só que ao fazê-lo lado a lado com muitas outras, numa espécie de “competição” pelo espaço disponível, cada alvéolo afeta e é afetado por todos os outros em redor e o resultado final é um hexágono! Podemos no entanto dizer que o hexágono é a forma geométrica mais parecida com uma circunferência onde a justaposição de muitas unidades é possível com o mínimo desperdício de espaço.

JK – Quais são os principais predadores e parasitas das abelhas e das colmeias? Como evitar que cheguem até elas? Como elas se protegem e defendem as colmeias?

JP – Uma das evidências que demonstram que as abelhas são um dos seres vivos mais bem adaptados, reside sobretudo no fato de insetos tão pequenos e frágeis, ainda que numerosos, conseguirem armazenar e proteger um “tesouro energético” de vários quilogramas de mel por colônia quando imensos e poderosos predadores ambicionam apoderar-se dele.

A salvaguarda do referido “tesouro” reside em milhares de pequenos mas eficazes ferrões que injetam uma poderosa toxina cujo efeito de dissuasão afasta a grande maioria dos predadores de mel.

As abelhas evoluíram durante milhões de anos de modo a adaptarem-se aos mais variados agressores, sejam os ursos, texugos, ratos, aves insetívoras, répteis, vespas (…), no entanto nas últimas décadas e muito provavelmente devido a más práticas apícolas, os laboriosos insetos começaram finalmente a sucumbir a diversas agressões externas.

Citando o caso de Portugal que até à década de 1980 poucas mais enfermidades apícolas tinha que uma parasitose causada por um piolho, uma bacteriose e a traça das colmeias. Na realidade, o piolho era facilmente controlável mediante o uso do fumo de tabaco, a traça, ou seja uma borboleta cujas larvas se alimentam de cera na colmeia, só ataca quando uma colônia de abelhas já está num estado demasiado fraco ou mesmo moribundo. Já a referida bacteriose, designada por Loque Americana, muito infecciosa, surgia com tão pouca frequência que a maioria dos apicultores não a conhecia. Basicamente a época dourada da sanidade apícola findou em meados da década de 1980.

Por esses tempos surgiu a Varroose, uma parasitose externa causada pelo ácaro Varroa destructor, que muito tem feito jus ao nome e destruído milhões de colônias por todo o mundo. Hoje em dia é relativamente fácil de tratar, mas com onerosos custos para o apicultor. Muitas outras doenças e moléstias das abelhas se seguiram nas últimas décadas, numa lista extensa e sempre a crescer.

As práticas apícolas, à semelhança de muitas outras práticas do setor pecuário e agrícola apostam cada vez mais nos grandes números, na intensificação do manejo, na busca rápida por muitos e grandes lucros, exigindo-se a um animal tão pequeno que não chega a pesar uma grama um esforço hercúleo para alimentar a sôfrega ganância humana. Era de prever que mais tarde ou mais cedo tivéssemos de pagar uma fatura pela artificialização e intensificação das práticas agrícolas, nas quais se inclui a apicultura e isso já está a acontecer com o aumento da incidência das velhas doenças, o surgimento de novas moléstias, custos acrescidos com tratamentos, alimentação…

Cada vez é mais urgente reformular a nossa forma de explorar a natureza, sejam as plantas, os animais ou outros recursos. Se uma determinada região, caracterizada por determinado coberto vegetal e com características edafo-climáticas específicas apenas suporta um determinado número de vacas, ovelhas ou colônias de abelhas, cada acréscimo em termos de efetivos raramente ou nunca se refletirá positivamente na produtividade ou nos lucros dessa região. O mais provável será sempre o aumento dos custos de produção, sobretudo em medidas sanitárias, significativas baixas na produtividade, menor qualidade dos produtos obtidos e prejuízos ambientais.

Arrisco a dizer que talvez a apicultura apenas admita grandes números na população de cada colmeia, é de todo desejável que cada apicultor possua e explore um pequeno número de colmeias e associe essa atividade com muitas outras que lhe sejam compatíveis, criando riqueza, contribuindo para a economia familiar e em última análise reduza substancialmente a respectiva pegada ecológica. Só assim teremos abelhas saudáveis, vacas saudáveis, ovelhas e galinhas saudáveis, humanos saudáveis e uma natureza também saudável!

JK – Como funciona o processo de embalsamamento dos intrusos por meio da produção da resina – própolis? Quais são suas propriedades medicinais?

JP – Algumas plantas segregam resinas com propriedades antissépticas e antibacterianas para proteger os rebentos, gomos e partes mais tenras do ataque de insetos, bactérias e outros agressores. As abelhas têm por hábito recolher essas resinas que utilizam sobretudo para calafetar orifícios e fendas bem como para cobrir todas as superfícies expostas no interior da colmeia, funcionando também como desinfetantes.

Não raras vezes as colmeias são invadidas por predadores de grandes dimensões como ratos, lagartos e até grandes coleópteros e lepdópteros. Sendo fácil para as abelhas defenderem-se desses invasores, anulando-os com várias ferradelas venenosas, o mesmo já não sucede com o livrarem-se dos pesados corpos. Têm então o hábito de os mumificar, cobrindo-os com uma camada de própolis, cujas propriedades antibacterianas e mesmo antibióticas impedem que os invasores mortos entrem em decomposição e funcionem como foco de infecção de doenças.

Curiosamente, os antigos egípcios, há mais de cinco mil anos, já tinham conhecimento das propriedades antibacterianas do própolis, pelo que era um dos componentes mais utilizados para a mumificação dos corpos dos reis. Investigações feitas nos últimos anos têm demonstrado precisamente essas propriedades pelo que esta substância é largamente utilizada na medicina humana como antisséptico, antibacteriano e antibiótico, sendo comercializado sob a forma de tinturas (de base aquosa e alcoólica), pílulas, rebuçados (balas), misturado com mel e em muitas outras formulações. No Brasil são produzidos pelas abelhas alguns própolis cuja fama e reconhecimento são globais, nomeadamente o própolis vermelho e o própolis verde da vassourinha.

JK – O que é a enxameação e por que ocorre esse fenômeno?

JP – A enxameação é a forma de reprodução da colónia de abelhas, ou seja, o modo como uma colônia origina duas ou mais.

Há vários fatores, ainda que estreitamente relacionados, que determinam a designada “febre da enxameação”: o fato de a colônia original adquirir grandes dimensões, a colmeia ou a toca natural ocupada pelas abelhas ser manifestamente pequena, existência de grandes fontes de néctar/ pólen, abelha-rainha demasiado velha e até por motivos genéticos e sanitários.

Ora dizer que a enxameação acontece quando a colônia atinge grandes dimensões é equivalente ao fato de a colmeia ser demasiado pequena ou a rainha demasiado velha: as feromonas da rainha deixam de chegar a todos os indivíduos da colônia ou chegam com muito menos frequência. Na ausência da feromona real as obreiras veem-se na obrigação de “criar uma nova rainha”.

É curioso que Desmond Morris tenha apresentado razões semelhantes para as dificuldades em manter cidades ou países com populações muito numerosas com o fim das tribos humanas, ou seja, este famoso etnólogo preconiza que cada sociedade humana é tanto mais estável quanto mais se fizer sentir a presença do chefe (rei, presidente (…), pelo contrário, em sociedades muito numerosas e cujos contatos com o chefe são muito raros ou até inexistentes levam a que cada indivíduo, ou uns mais que outros se vejam na necessidade de o substituir. Mas isto é apenas uma curiosidade que demonstra que não somos assim tão diferentes das abelhas.

JK – Como procedem as obreiras para “criar” uma nova rainha?

JP – A explicação deste processo é muito simples e baseia-se num dos aspectos mais curiosos da biologia das abelhas: as obreiras e as rainhas são geneticamente iguais, ambas são fêmeas, só que as primeiras são estéreis e não se reproduzem e as segundas têm os ovários desenvolvidos, acasalam com os zangões e são as responsáveis por toda a progênie da colônia. Todos os indivíduos da colônia, nos primeiros dois dias de vida após a eclosão do ovo são alimentados com geleia real, um composto multivitaminado segregado pelas glândulas hipofaríngeas das abelhas jovens. As obreiras e os zangões passam a ser alimentados com uma papa de mel e pólen ao terceiro dia de vida, enquanto que a rainha é alimentada com geleia real ao longo de toda a vida. Será portanto a alimentação exclusiva com esta substância que confere a maior longevidade a rainha, como também o desenvolvimento dos ovários e a consequente fecundidade desta abelha.

Ao verificarem-se as condições necessárias ao fenómeno da enxameação as obreiras selecionam algumas larvas de abelha, às quais dão o referido tratamento e atenções especiais que culminam no nascimento de várias rainhas, ditas rainhas virgens ou princesas. Por esta altura, a rainha original abandona ou é obrigada a abandonar a colmeia com um grande séquito de obreiras (o enxame primário) e vai procurar nova casa, instalando-se noutra colmeia providenciada pelo apicultor ou procurar uma cavidade natural tornando-se uma colônia selvagem.

Na colônia original, onde ficam igualmente dezenas de milhares de obreiras, uma das princesas “é eleita” para substituir a rainha velha, sua mãe. Esta “eleição” mais não é que a seleção de uma das rainhas virgens para executar o voo nupcial, a grande altitude e num dia calmo e sem vento. Apercebendo-se do voo da princesa, pelas hormonas que liberta, numeroso grupo de galantes zangões segue no seu encalço, cumprindo o “real casamento” o macho mais vigoroso e que primeiro alcance a jovem rainha. A vitória do garboso zangão tem um sabor amargo, soa mais tragédia, uma vez que o seu aparelho sexual ficando preso no interior da rainha resulta na sua morte precoce, mas garantiu que os seus genes estejam presentes na próxima geração de abelhas.

Já a rainha “recém-casada”, ou devia antes dizer “recém-viúva”?, regressa à colmeia onde ao invés de cumprir o pesado luto pela perda recente do progenitor, da forma mais impudica que podemos imaginar apresenta os órgão sexuais do falecido zangão à sua corte, que logo lho retiram do corpo como prova da sua nova condição de rainha reinante e eis que a “viúva alegre” volta de novo às conquistas para novo amoroso enlace que termina tal como o primeiro. O ritual é de tal forma gratificante que o chega a repetir uma dezena de vezes ou perto disso.

Finda a magia desse amoroso dia, a nova rainha estará fertilizada para o resto da sua vida, o sémen dos diversos zangões fica armazenado em espaços distintos no seu corpo e à medida que for gerando os óvulos estes serão automaticamente fecundados. Apenas os zangões nascerão de óvulos não fecundados, nunca têm pai, mas este tema ficará para uma próxima oportunidade…

Feito o balanço, de uma colónia inicial surgem duas pois a rainha nova reinará na colónia velha, restam agora as restantes princesas suas irmãs, que fazer com elas? O seu destino não será tão doce, ou são picadas pelas obreiras acabando por morrer ou apenas expulsas da colónia, conseguindo algumas arrastar um punhado de abelhas consigo e com alguma sorte encontrarem nova casa, acasalarem e darem início a novas colónias – os enxames secundários.

Os apicultores cada vez mais procuram evitar a enxameação natural, conforme foi descrita nos parágrafos anteriores. Este fenômeno reduz bastante a população de uma colmeia e quase sempre nos períodos em que ela é mais necessária: durante as principais campanhas de recolha de néctar e produção de mel. Optam então por reproduzir as colónias artificialmente, algo semelhante ao atrás descrito mas de uma forma controlada. Tais práticas, ainda que economicamente úteis podem a longo prazo selecionar as colônias com menos tendência para enxamear, reduzindo na natureza as detentoras de genes para maior enxameação. Não correremos o risco de tornar as abelhas cada vez mais dependentes do ser humano “também” do ponto de vista reprodutor? Um aspecto para refletir…

JK – São cerca de 20 mil espécies de abelhas, sendo que aproximadamente 1.000 são sociáveis, onde podem formar colmeias de até 80 mil integrantes. Quais as principais espécies de abelhas produtoras de mel em Portugal?

JP – Portugal possui apenas a abelha negra europeia, nomeadamente a sua subespécie Apis mellifera iberiensis, segundo alguns autores uma raça agressiva, com forte tendência para enxamear e medianamente produtivas, sendo no entanto bastante resistente e bem adaptada às condições, por vezes extremas, da Península Ibérica, sendo que esta caracterização é tudo menos consensual. De qualquer forma alguns trabalhos de seleção têm demonstrado que esta abelha tem imensas potencialidades a explorar.

Existe um número pouco significativo e até residual de colônias das raças Ligústica (também designada por italiana), Carníola e Buckfast, que os apicultores apreciam sobretudo pela sua baixa agressividade e capacidade de produção, malgrado os problemas de aclimatação…

JK – Na região do Alentejo, quais são as flores e néctares preferidos das abelhas?

JP – O Alentejo é talvez a região mais seca do país, em certa medida até comparável ao sertão brasileiro. É caracterizada por um Verão muito quente e seco a que se segue um Inverno frio e chuvoso.

Apesar das duras condições climáticas, possui um conjunto de florações extremamente interessantes para a prática da apicultura. Nos terrenos mais acidentados, de xisto e granito, com pouca ou nenhuma aptidão agrícola, surge o Rosmaninho (Lavandula stoechas e L. pedunculata) como principais florações de Primavera. Sendo que esta flora é sobretudo rica em néctar, para melhor desenvolvimento das colônias é quase sempre complementada pela existência de Estevas (arbustos do género Cistus, sobretudo a espécie Cistus ladanifer). O principal Mel de Primavera, senão um dos mais apreciados, é o monofloral de Rosmaninho, muito doce, aromático, com uma consistência suave e uma bonita cor que lembra o chá de limão.

Nas regiões mais planas, solos de argila e com aptidões agrícolas, surge a Soagem (Echium plantagineum) e muitas outras herbáceas que resultam em excelentes méis multiflorais.

Já o Verão é bem mais difícil para a prática da apicultura. Quando a Primavera é chuvosa e os solos conservam alguma frescura e humidade é possível conseguir produzir mel do Cardo de Abelha ou Cardo Asnil (Carlina racemosa). O Cardo de Abelha é uma planta fabulosa, digna do maior respeito por parte dos apicultores. Mesmo em óptimas condições já apresenta um aspecto esquelético, uma herbácea de caules esguios, folhas muito discretas e armada de picos. Já a tenho visto, nos Verões mais secos e suportando estoicamente temperaturas superiores a 40º, completamente seca e cor de palha, mas ainda com as pequenas flores amarelas a regurgitar néctar e com abelhas pousadas.

Finalmente, a grande curiosidade da flora apícola alentejana é a velha Azinheira, um carvalho rude e adaptado às piores condições de calor e secura do Mediterrâneo (o Quercus ilex). A Azinheira não floresce no Verão, fá-lo antes durante a Primavera e as suas flores nem são muito atraentes para as abelhas. Tem no entanto outros argumentos expressamente apelativos que surgem nalgumas manhãs húmidas e frescas do período estival: a Melada de Azinho! A Melada de Azinho, de produções imprevisíveis, surge num ano e depois não se sabe quando volta a produzir, é um mel muito espesso e de cor negra, retinta, caracterizado por aromas fortes e malteados e de um agradável sabor a frutos secos. Pessoalmente é o mel que mais aprecio.

Trata-se de um mel tão especial que para a sua confecção as abelhas requisitam os serviços de um outro grupo de insetos: os afídeos, vulgarmente conhecidos por pulgões. Os pulgões, sendo essencialmente um grupo que provoca danos nas culturas, tem neste caso uma participação francamente positiva: dotados de um aparelho bucal picador-sugador, instalam-se nos raminhos mais novos e tenros, que picam para sugar a vulgarmente chamada “seiva elaborada”. Ingerem uma boa parte dos açúcares deste líquido mas procuram sobretudo as substâncias azotadas ou proteicas, essenciais ao seu metabolismo. Como a seiva não é propriamente rica em proteínas, veem-se obrigados a sugar grandes volumes até satisfazerem as suas necessidades proteicas e como não podem de forma alguma digerir a imensa quantidade de açúcares que sugam acabam por excreta-los como sem os digerirem. Funcionam como pequenas bombas a retirar açúcares de dentro dos vasos floêmicos da azinheira e a despejá-los sobre as folhas e vegetação do subcoberto.

Quem nunca ficou com os limpa pára-brisas colados por uma substância pegajosa ao vidro do carro quando estaciona à sombra de uma árvore atacada por afídeos ou pulgões?

Nas manhãs mais úmidas dos meses de Julho e Agosto, com estes açúcares liquefeitos, as abelhas recolhem estes açúcares depositados nas folhas e ramos da Azinheira e transportam-nos para a colmeia, produzindo a agradável Melada de Azinho.

JK – Quais os desafios que surgiram com a pandemia na coleta e cuidado com as colmeias?

JP – Ainda é demasiado cedo para uma avaliação consciente deste problema, mas apicultores praticam a sua atividade isolados nos campos, quase sempre em regiões de menor aptidão agrícola, o que significa ainda mais isolamento, pelo que a “proximidade social” suscetível de causar contágios fica completamente anulada nos serviços apícolas. Arrisco mesmo a dizer que terá sido um dos sectores menos afetados no referente à fase da produção. No entanto, não apenas pela crise económica motivada pela pandemia, que se refletiu bastante na aquisição de alguns bens, como ainda pelas dificuldades em aceder aos mercados, então sim, também o sector apícola se ressentiu deste horrível período. É sabido no entanto que os apicultores não ficaram parados, lançando mão dos imensos meios de comunicação tecnológicos disponíveis não apenas mantiveram a sua natural proximidade para uma constante troca de experiências, reuniões, meetings e demais formações como ainda aproveitaram as redes sociais para a promoção e comercialização dos produtos da colmeia.

JK – Como a população em geral pode contribuir para o cuidado com a sobrevivência das abelhas

JP – Sempre que se me depara uma questão deste género, seja para sobrevivência das abelhas, dos elefantes, das baleias ou mesmo de um ecossistema, ocorre-me a mensagem que em tempos vi num outdoor: “Querem salvar a Amazônia? Ela não precisa da vossa ajuda, apenas a deixem em paz!”. Se a mensagem não era literalmente assim, era algo muito semelhante, importa é que nesta fase, tanto a Amazônia como as abelhas não lhes basta serem deixadas em paz, algo há a fazer face ao que já se perdeu.

Até meados do século passado havia imensas áreas incultas, florestas pouco densas,  terrenos de menor aptidão agrícola utilizados ocasionalmente para o pastoreio do gado e mesmo assim com muito baixos encabeçamentos. Estas regiões eram o habitat preferencial para centenas senão milhares de espécies de herbáceas e arbustos e consequentemente albergavam outras tantas espécies de polinizadores, entre as quais as abelhas.

A necessidade de acelerar o crescimento econômico, a produtividade, a competitividade, o PIB e todo um crescente número de eufemismos que pouco mais significam que a tremenda, desnecessária e perigosa “ganância humana”, levaram à mobilização e intensificação dessas áreas. Com a agricultura intensiva, as profundas mobilizações dos solos, a adição continua de herbicidas, inseticidas, fertilizantes e outros químicos de síntese, não apenas destruiram diretamente a entomofauna como ainda impossibilitaram o seu regresso pela destruição das pastagens naturais ao eliminarem a flora selvagem.

Toda a gente pode e deve ajudar a apicultura, os polinizadores selvagens, a vegetação autóctone e em última análise o ambiente global – o Planeta Terra. Não apenas pressionando os governos e os grandes decisores políticos como ainda na seleção rigorosa de produtos de consumo amigos do ambiente e que provenham de mercados justos, da agricultura orgânica e tradicional. De uma forma mais simples, mas igualmente importante, fomentar a vegetação natural e autóctone: fazer vista grossa a algumas ervas daninhas e tolerá-las no relvado, na horta ou no jardim, plantar e semear flores visitadas pelas abelhas, disseminar sementes destas espécies enquanto passeia pelos campos, providenciar ninhos e abrigos artificiais para a fauna selvagem, os hotéis para insetos são muito baratos ou fáceis de construir e esteticamente são muito agradáveis num jardim. E porque não adotar umas colmeias e tornar-se apicultor? Não só ajudará o ambiente como as abelhas ainda o vão brindar com uma doce recompensa!

JK – Qual a mensagem que gostaria de deixar aos leitores do site Destinos Serra & Mar, sobre a sustentabilidade das abelhas?

Joaquim Pífano, apicultor

JP – Vou deixar-vos com uma história que espero que apreciem e que vos façam refletir tanto como mo fez a mim.

1. Há uns anos, era eu um jovem técnico de apicultura, muito motivado para dar o meu contributo para evolução do setor apícola e á semelhança de todos os jovens técnicos queria e desejava que cada apicultor aumentasse muito o número de colmeias, que aumentasse a produtividade de cada uma e consequentemente os respectivos lucros e a riqueza pessoal. Que fosse comercializado cada vez mais mel e outros produtos da colmeia, de preferência cada vez mais caros, aumentando as exportações e a economia nacional.

Nas muitas diligências que fiz para levar a bom termo os objetivos anteriores visitei um apicultor no Sul de Portugal, no Algarve. Um apicultor chamado Vicente Furtado. Já aposentado e que trabalhou durante três décadas nos serviços agrícolas oficiais da Suécia, como técnico de apicultura e que veio a tornar-se um grande amigo.

Devo confessar que senti uma estranha paz quando na companhia dele me aproximei das suas abelhas e garantidamente não foi devido a tratar-se de uma raça muito dócil. Não pensei mais nisso e a conversa foi fluindo, como sempre flui entre apicultores, sobre a sua experiência num país do Norte da Europa, as produções, a tecnologia, os problemas, as soluções…

Apresentei-lhe as minhas “teorias” sobre uma apicultura avançada, de grandes números, quando ele me disse que na Suécia o governo apoiava sobretudo os menores apicultores, justificando que como tinham poucas colmeias disseminavam os apiários por todo o lado, mesmo nos lugares com pouca vegetação e com isso levavam os benefícios da polinização a todos os recantos. Coisa que os grandes apicultores não faziam, apenas escolhiam regiões mais ricas em vegetação.

Argumentei que a Suécia se situava no Norte da Europa, uma economia forte e saudável, como era possível descurarem assim dos aspectos económicos. Foi então que o José Vicente me mostrou uma enorme fotografia na parede do seu laboratório, com vários apicultores num apiário muito colorido. Reparei num bule de chá e algumas chávenas sobre a tampa de uma colmeia, ao lado um prato com bolos e biscoitos. Ante a minha estupefacção o Vicente apressou-se a explicar que se tratava de um “Apiário de Convívio”, expressão que nunca mais esqueci. “…os apicultores e os técnicos juntam-se aqui ao fim de semana e convivem, partilham conhecimentos e experiências da apicultura, acima de tudo divertíamo-nos nesses convívios, a apicultura deve ser encarada assim: aprendendo e partilhando”.

As minhas expectativas prematuras para a apicultura ideal finaram-se nesse dia, as explorações apícolas, as explorações agrícolas em geral não têm de ser competitivas, têm sim de ser viáveis e sustentáveis, os conceitos de economia e riqueza, tal como os definimos atualmente terão de ser totalmente remodelados em prol de um ambiente mais saudável e do bem estar geral das populações de todo o mundo.

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